sábado, março 19, 2005

1+1 = 1

Sentado no banco, o ar quente da noite chegou a seu rosto, despertando-o de um devaneio pungente. O farfalhar das folhas caindo e a temperatura agradável traziam um espírito de serenidade ao local, que praticamente impregnava a todos. Somente aqueles atormentados por algo é que não permitiam que tal tranqüilidade chegasse até suas mentes e corações. E sempre existem alguns, mesmo que todos neguem. Sempre há alguém. Já podia ter ido embora, mas esperava. E não sabia o que fazer para passar o tempo. Surrupiado da realidade, pensando no impossível, alimentando absurdos esperançosos, começou a rabiscar.

"7:58. 7:59. 8:00. O som agudo e prolongado do despertador ecoou pelo quarto que ainda estava envolto pela escuridão, apesar da hora do dia.
Depois de grasnar incessantemente por dois minutos, uma mão pesada literalmente socou o aparelho, que não agüentou e se espatifou no chão depois de mais uma investida, pelo quarto dia seguido, sempre no mesmo horário. Como em um último brado honroso de protesto, para deixar registrado que ele era o menos culpado pelo conjunto da obra, aquilo que outrora fora chamado de despertador tocou languidamente por um minuto. Um toque uníssono, hipnotizante, até parar e o quarto cair em um silêncio ensurdecedor, de doer a cabeça.
Sentado na cama, cabisbaixo e com as mãos na cabeça, o dono do soco olhou de soslaio para o lado que vinha o som da ‘absolvição’. Na realidade, seu movimento foi mecânico, já que ainda estava escuro e mesmo se pudesse enxergar algo, pouca diferença faria; seus sentidos e pensamentos estavam envoltos no contexto angustiante que ele armou a si mesmo e que o estava sufocando. Era tão apreensivo e coercitivo que nem durante o sono ele tinha paz. Suspirou profundamente.
O fez porque a dor latejante na cabeça e os olhos cansados indicavam mais uma noite mau dormida e não era pela falta de tempo, pois desfrutava de oito à dez horas para descansar. O problema era o seu estado de espírito. A questão era um pensamento que não o abandonava nem por um instante sequer. Dormia com essa pergunta na cabeça e já acordava com ela na boca: Quando a verei novamente?
Essa indagação simples e direta que fazia a si toda manhã já acabava com o seu dia. Um turbilhão de emoções o atravessava por completo e inúmeras questões já cortavam o seu pensamento de forma abrupta e desesperada. E se eu não a encontrar hoje? E se eu não conseguir falar com ela? Mais um dia pesado e lento? Mais 24 horas envolto no negrume da minha mente, sabendo que aquilo que me deixará feliz é algo que nunca vai acontecer e enquanto a sua imagem não sai da minha cabeça, ela segue o seu dia normalmente, sem pensar em mim? O que fazer quando a necessidade de conversar com ela e escutar a sua voz é imensa? Quanto mais a vejo, mais preciso ficar ao seu lado. E quanto mais preciso dela, menos eu a encontro. Acordado por apenas cinco minutos, ele queria deitar novamente. Já estava exausto.
Envolto com os seus pensamentos, o corpo executava a ação sistemática e involuntária de se vestir. Estava atrasado para o trabalho. É incrível como o ser humano pode executar e delegar tarefas distintas enquanto que paradoxalmente dirige a atenção a um determinado fato nevrálgico.
Dez minutos depois saiu do quarto e foi embora. A escuridão tomou conta de tudo.

Sorte daqueles cujos sentimentos
Não refletem a todo momento
Aquilo que sofrem


22:32. 22:33. 22:34. Abriu a porta do quarto e o seu rosto não transparecia nenhuma emoção. Se arrastou até a cama e se sentou. Lembrou que caso não programasse a hora para levantar no dia seguinte, iria se atrasar. Não se importou. Sabia que apesar do cansaço, iria dormir pessimamente mais uma vez. Não deu a mínima. Tinha certeza que o hematoma na mão (oriundo da destruição do despertador pela manhã) se transformaria na manhã seguinte em um inchaço extremamente doloroso. Deu de ombros.
Pensou se iria conseguir falar com ela amanhã ou simplesmente vê-la. Lembrou que a possibilidade de isso não acontecer era muito grande. Abaixou a cabeça e fixou o olhar no nada ululante e absoluto. Não tenho ânimo pra nada. Pior do que não ter força para seguir em frente é você utilizar a sua tristeza como energia para ir adiante. Nesse ínterim, lembrou inclusive que mesmo se conseguisse ficar mais próximo dela, isso não seria suficiente.
Resolveu deitar e teve um momento de paz quando lembrou que ao fechar os olhos poderia pensar em tudo aquilo que o feria e angustiava sem esconder nenhum sentimento. Não precisava ser forte no escuro. Para si mesmo poderia revelar mais uma vez os seus medos, desejos, sonhos, enfim, tudo aquilo que fazia com que pensasse ainda mais nela e necessitasse intensamente do seu calor.
Porém, voltou à realidade e lembrou o que o cercava. Inconformado mas extremamente cansado, tentou dormir o sono dos angustiados que há tanto tempo o acompanhava. Ainda com os olhos abertos viu o escuro da solidão o cercar por completo e pensando nela, pegou no péssimo sono que o alimentaria mais uma vez. Envolto em lágrimas, sonhou a noite inteira que ela simplesmente o beijava e abraçava, dissipando magicamente toda a tristeza que carregava consigo. As lágrimas aumentaram. Mais uma vez, a escuridão tomou conta..."

O barulho de uma miríade de vozes conversando simultaneamente o trouxe à realidade. Observou que um grupo de pessoas saía do prédio. Finalmente a viu. Acompanhou cada movimento, sorriso, passo, palavra, como se fosse a última vez que presenciaria tudo isso. Segundos que valem por horas, dias, meses. Continuou até que a desilusão o despertou. Olhou o que tinha escrito. Outro suspiro morto. Leu, sorriu lividamente e rasgou. Levantou-se, contemplou o vazio à sua volta e foi embora, com a certeza insuportável de que a esperaria novamente no dia seguinte.