sexta-feira, março 11, 2005

A inexorabilidade da única certeza (postado originalmente em 30/10/04, às 4:10)

- Merda, o que está acontecendo? - Nada, respondeu o simpático senhor de idade. - Eu vim aqui apenas para te buscar.- Você veio me buscar?, retorquiu em um tom de escárnio. - E quem disse que eu vou com você? Eu nem te conheço, velho. Além do mais, porque eu deveria ir? De forma lacônica mas polida, o idoso respondeu naturalmente, como se passasse a informação do endereço de uma rua. - Porque eu sou a Morte e te quero bem.- Morto... Eu estou morto? A pergunta saiu em um fio de voz lívido, embargado pelo medo e o terror puro, daquele que não há modo de esconder ou fingir que não sente. Olhando para baixo, viu no limiar da escada seu corpo estatelado no chão e um círculo de pessoas envolta.
Sem reação, apenas escutava o ancião ao seu lado. - Você vai para um lugar melhor, lá não existe ganância, traição, maldade. Chegou a sua hora, vamos. Você vai ficar longe de todos aqueles que levam o ódio na alma como verdade única e absoluta. Falou então com uma sinceridade mecânica. - Me tiraram a vida. Sabiamente e aparentando a paciência de um avô que conversa com o neto de cinco anos de idade, o idoso retrucou. - A vida, meu caro, nada mais é do que a chegada da morte de forma abrupta ou intermitente. A sua alma nunca esteve tão viva como neste momento. E você continuará a viver. Olhando para trás, não reconhecia mais o próprio corpo. Sentia-se incrivelmente bem, como aquela "coisa" inanimada no chão poderia ser ele? Tudo começou a fazer sentido, não estava mais com medo. Suspirou e com dignidade, começou a trilhar o novo caminho que fora aberto na sua vida.